Sem fazer barulho, Tribunal Superior Eleitoral libera candidatura de
político que teve as contas de sua gestão rejeitadas. A decisão atinge a alma
da lei da ficha limpa e cria jurisprudência que pode beneficiar dez mil
candidatos barrados.
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Considerada
o caminho mais curto para livrar a política brasileira dos maus gestores e de
gente acostumada a se apropriar de dinheiro público, a Lei da Ficha Limpa começou a valer este ano, mas, na semana
passada, uma resolução sem muito alarde do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) colocou sua aplicação sob ameaça. O TSE decidiu
que o fato de um administrador ter as contas de sua gestão rejeitadas não é
motivo para impedi-lo de ser candidato. Os ministros entenderam que a
inelegibilidade somente pode ser declarada se houver provas suficientes de que
o político teve culpa pelos desvios ou falhas no uso de recursos públicos.
A
decisão que atingiu a alma de uma das mais populares leis brasileiras foi
tomada durante a análise da ação que impugnou a candidatura do vereador de Foz
do Iguaçu, Valdir de Souza Maninho, por ordenamento irregular de despesas
quando ele era secretário de Esportes do Município. O TSE liberou o candidato
alegando que o Tribunal de Contas não comprovou sua culpa. O mais paradoxal é
que a jurisprudência criada prejudica a execução da Ficha Limpa no exato momento em que o próprio TSE investe mais de um milhão de reais em campanhas no rádio e na
televisão em defesa da lei.
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A
interpretação abre uma brecha que pode beneficiar cerca de dez mil candidatos
barrados com base no artigo da lei que exige a aprovação de contas durante
gestões anteriores. “Foi aberto um flanco destrutivo na lei e isso partiu de
quem menos se esperava: do próprio tribunal. A decisão dos ministros terá um
efeito danoso porque a rejeição de contas é o principal item da norma, é o
coração dela”, reclama o juiz eleitoral Marlon Reis, um dos maiores
articuladores da Lei da Ficha Limpa.
No Rio Grande do Norte, por exemplo, nada menos do que 95% dos candidatos
barrados podem se livrar dos processos. “Os ministros dilaceraram o papel e a
importância das decisões dos órgãos de controle”, comenta o procurador do Rio
Grande do Norte, Carlos Thompson. Em outros Estados, como Minas Gerais, São
Paulo e Espírito Santo, as falhas na aplicação de recursos públicos são
responsáveis por mais da metade dos pedidos de indeferimentos de candidaturas.
A
lista de casos que guardam semelhanças à do vereador de Foz do Iguaçu é
extensa e inclui especialmente prefeitos que tentam reeleição e ex-prefeitos em
busca de um novo mandato. Em todo País, não faltam exemplos de quem agora têm
boas chances de obter sucesso nos recursos ou até de inibir ações de opositores
que insistam em falar desses processos. O senador Cícero Lucena (PSDB-PB), por
exemplo, enfrenta a reação de adversários na disputa pela prefeitura de João
Pessoa, que tentam impugnar sua candidatura no TSE com base em duas condenações
do Tribunal de Contas da União referentes à gestão na capital paraibana.
Problemas semelhantes enfrentam outros integrantes do Congresso Nacional. O
deputado federal Oziel Oliveira (PDT-BA) tenta voltar ao comando da pequena
Luís Eduardo Magalhães, apesar de ainda responder por irregularidades em um
convênio assinado em 2004, quando era prefeito. Mesmo condenado pelo TCU, o deputado
federal José Vieira (PR-MA) também disputa a prefeitura de Bacabal.
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Um
dos entraves à aplicação da Lei da Ficha
Limpa é que, ao exigir provas sobre a culpa dos gestores no mau uso de
recursos públicos, o TSE entende que caberia aos Tribunais de Contas avançarem
nas análises técnicas e nas argumentações jurídicas a ponto de produzirem
provas, o que não é uma prerrogativa desses tribunais. Além disso, o TSE
provoca insegurança jurídica ao dar argumentos aos políticos Ficha Sujos a recorrer da condenação. Em
alguns Estados, esses recursos podem anular completamente os efeitos da ficha
limpa, uma vez que quase a totalidade dos pedidos de impugnação foi feita com
base em pareceres técnicos de Tribunais de Contas.
Em
resposta às reações contrárias, o TSE alega apenas que a exigência de provas
mostrando a culpa dos gestores está prevista na própria lei. Para o ministro
Arnaldo Versiani, quando a decisão do Tribunal de Contas não menciona a
existência de dolo, “merece prevalecer o direito à elegibilidade”. “O problema
é que esse argumento não leva em conta o fato de que esses tribunais fazem
apenas a análise técnica”, contrapõe o presidente da Ordem dos Advogados do
Brasil, Ophir Cavalcanti.
Essa
não é a única decisão do TSE comemorada por políticos encurralados pela
Justiça. Em junho, os ministros determinaram que a rejeição das prestações de
contas de campanhas eleitorais anteriores não é motivo de impugnação de
candidaturas. A decisão dividiu a Corte e foi desempatada pelo ministro Dias
Toffoli. O próprio Arnaldo Versiani foi criticado por ter definido que a
responsabilidade por julgar a legalidade dos gastos dos prefeitos é das Câmaras
Municipais e não dos Tribunais de Contas. O ministro ignorou o fato de que
esses julgamentos, quando feitos por vereadores, se baseiam em critérios
políticos e negociações partidárias. Práticas que, como tantas outras, poderiam
ser expurgadas do País, não fossem decisões que colocam em risco os avanços da
democracia.
Fonte: ISTOÉ.
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